sábado, 15 de setembro de 2007

Escravo de nenhum

"Compreendi que, quando não tinha uma resposta, Guilherme se propunha muitas delas e muito diferentes entre si. Fiquei perplexo.
- Mas então - ousei comentar - ainda estais muito longe da solução.
- Estou pertíssimo - disse Guilherme - mas não sei de qual.
- Então, não tendes uma única resposta para vossas perguntas?
- Adso, se as tivesse ensinaria teologia em Paris.
- Em Paris eles têm sempre a resposta verdadeira?
- Nunca - disse Guilherme - mas são muito seguros de seus erros.
- E vós - disse eu, com impertinência infantil - nunca cometeis erros?
- Freqüentemente - respondeu. - mas ao invés de conceber um único erro, imagino muitos. Assim não me torno escravo de nenhum."
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O nome da rosa, de Umberto Eco.
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"Teme, Adso, os profetas e os que estão dispostos a morrer pela verdade. (....) Talvez a tarefa de quem ama os homens seja fazer rir da verdade, fazer rir a verdade, porque a única verdade é aprendermos a nos libertarmos da paixão insana pela verdade."

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

O Lula e o Aranha

Algo que me marcou muito, ainda na infância, quando eu costumava assistir muito ao Homem-aranha, foi uma coisa que o tio Ben disse para Peter Parker: “Grandes poderes exigem grandes responsabilidades”. Isso repercutiu intensamente na forma como o Aranha encarava a vida, e foi o que determinou que ele se tornasse um super-herói e não um super-vilão.

O que acontece frequentemente, quando não há alguma frase imponente como esta ecoando em nossa consciência ou não temos uma índole tão bem estruturada como parece ser a dos grandes heróis da ficção, é que usemos o poder para benefício próprio.

O poder deslumbra, o poder fascina e cega. É capaz de enfraquecer ideologias, desestruturar propostas e transformar pessoas em pacotes de hipocrisia. Ao longo da história, recorrentes são os casos de ideais traídos e revoluções minadas ao menor contato de seus líderes com o tão perigoso poder.

Parece-me, no entanto, que estamos vivendo mais um destes casos. O que é uma pena porque mostra o quão pouco nós aprendemos com a história. O ex-metalúrgico, ex-líder sindical e atual presidente da República vem decepcionando profundamente aqueles que o concederam o poder. E não foi uma aranha geneticamente modificada, fomos nós, o povo brasileiro.

Digo isto porque, diferentemente da aranha em relação a Peter Parker, nós depositamos expectativas no governo Lula, esperávamos que ele tivesse uma postura diferenciada com a população, porque tínhamos necessidades urgentes.

Tais necessidades não foram atendidas, e o que vemos é o colapso generalizado de diversas instituições. Depois dos comentários dos políticos que mais parecem boas piadas, o que mais ouvimos nos jornais é a palavra ‘apagão’. Apagão aéreo, apagão da educação, apagão da saúde, apagão moral.

Lula era um herói em potencial, hoje é uma potência em frustração. Teve uma chance, está tendo agora a segunda. Ele se propôs a ser um herói, discursou como um herói nas inúmeras eleições em que foi candidato à presidência. Assumiu, pois, o poder, mas não está assumindo suas responsabilidades.

E, como eu já disse, este é um problema antigo, apesar de atual. Problema recorrente na política brasileira, como deixa transparecer Darcy Ribeiro, ainda em meados da década de 70: “Nada é mais continuado, tampouco é tão permanente, do que essa classe dirigente exógena e infiel ao seu povo”.

Talvez seja a hora de nós, brasileiros, seguirmos o exemplo do tio Ben e tentarmos mostrar para Lula que precisamos de alguém que nos represente, que use seu poder para nos ajudar, o que aliás, não seria caridade, mas a obrigação de um presidente. Alguém que assuma o ônus e o bônus. Mais do que tudo, alguém que se assuma.

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Fuga malograda

Ai, que desejo de fuga
Dos barulhos de moedas
Nas cuecas dos cavalheiros

Oh, meu desejo de fuga
Das crianças magricelas
Dormindo junto aos bueiros

Ah, que desejo de fuga
Da voz vinda da janela
Que me une aos meu anseios

Ai, meu desejo de fuga
Das páginas amarelas
Na banca do jornaleiro

Ah, que desejo de fuga
Da claridade das velas
Para aquele que já veio

Oh, Que desejo de fuga
Das cores da aquarela
Que só fazem cobrir o feio

Fugir de tudo o que podia ser e não é
Fugir de todo esquecimento
Fugir da vergonha

Mas não, eu não conseguiria
Fugir do que eu mais queria
Que um dia desse certo

Queria que déssemos certo, brasileiros.



Obs:
Essa coisa foi postada aqui, apesar de sua notável pobreza poética, porque foi escrita num momento de muita indignação, que eu só consegui extravasar escrevendo isso. Eu não aguento mais me sentir de mãos atadas. Ah, e também porque no overmundo disseram que ela tinha a métrica do côco/maracatu, obra do acaso.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Paisagens livres

As paisagens que acompanham as margens das estradas sempre me encantaram. Mas que encanto particular, seu charme não está na beleza. Está em outra coisa, que eu não conseguia discernir. Até que um dia, descobri que tais paisagens são bonitas por serem efêmeras. Fogem de nós tão logo nos encontram. Essa impossibilidade da posse, essa fugacidade é o que lança encanto e enfeitiça. Desde que percebi isso, tenho tentado desesperadamente capturar as paisagens antes que elas me deixem. Aprisionar e possuir.

Fecharam a minha janela

Fecharam a minha janela
Em janelas, não se confia.
Até hoje não se sabia
Que as janelas seduzem
As janelas nos reduzem
À tão triste pequenez.

Fecharam a minha janela
Mas foi para que ninguém
Viesse me questionar
Sobre meus olhos fechados
Ou sobre mundos guardados
Embaixo da cama e além

Fecharam a minha janela
Mas não preciso mais dela
Estou feliz e contente
Na condição prudente
De inerte inquietação.

Fecharam a minha janela
Que um dia mostrou o mundo,
E hoje não mostra nada
Exceto que sou um mudo
Cansado da própria preguiça

Fecharam a minha janela
Fecharam a tua também
Se não vês, não perguntas
Se não perguntas, não juntas
Dores e dissabores
Para a tua coleção.

domingo, 5 de agosto de 2007

Faceless



'we are faceless, you can't attack us.' radiohead

Renée Magritte em toda sua genialidade surreal.

Inveja

Invejo os sorrisos que nascem da leveza, porque eles me mostram uma simplicidade que esqueci de encontrar para mim.
Invejo o cinza com que pintam a tristeza, porque me mostra a imponência e o poder que tem o fim.
Invejo os traços que constroem a beleza, porque eles se unem para espantar o que há de ruim.
Invejo aqueles que são imunes às certezas, porque aprenderam a conviver com a angústia, enfim.
Invejo tanto e tantas coisas, que a inveja é já uma parte de mim.
Não invejo, porém, aqueles que me tentam convencer de que a inveja é qualquer coisa de feio.
Não os invejo, porque a inveja, mais do que desejo de destruição do alheio, é também admiração e floreio, fascinação e devaneio, de quem se reconhece menor.
A inveja é uma escada que quer ser subida.

Iniciando

Sinestesia: do Gr. sýn, juntamente + aísthesis, sensaçãos. f., relação subjectiva que se estabelece espontaneamente entre uma percepção e outra que pertence ao domínio de um sentido diferente (por exemplo, um perfume que invoca uma cor ou um som que invoca uma imagem).
Sempre me intrigou, essa tal de sinestesia.
É mais do que ouvir cores, sentir sons, cheirar sabores. É ver além do óbvio. É relacionar uma idéia a outros conceitos, é questionar e acrescentar. É tentar ver algo de forma abrangente, percebendo as variações e nuances.
E é isso que esse lugar nasceu pra ser. Um espaço de expressão, de questionamentos que às vezes chegam até mim e vão embora. Uma miscelânea, sem moldes fixos. Fluida e sinestésica.